Tratamento farmacológico da dependência química

Síndrome da Abstinência do Álcool (SAA): definição e tratamento

Pode ocorrer em pessoas com dependência de álcool quando param, ou diminuem abruptamente, o consumo de bebidas alcoólicas. É importante avaliar o risco quando paciente se propõe a interromper uso do álcool – quantidade de álcool que ingere diariamente, se acorda com tremor etc.

Sintomas da SAA podem trazer risco de morte ao indivíduo, portanto precisa ser prontamente reconhecida e tratada.

Critérios diagnósticos de SAA pela CID-10:

A. Deve haver evidência clara de interrupção ou redução do uso de álcool, após uso repetido, usualmente prolongado e/ou em altas doses.
B. Três dos sinais devem estar presentes:
(1) tremores da língua, pálpebras ou das mãos quando estendidas;
(2) sudorese;
(3) náusea, ânsia de vômitos ou vômitos;
(4) taquicardia ou hipertensão;
(5) agitação psicomotora;
(6) cefaleia;
(7) insônia;
(8) mal-estar ou fraqueza;
(9) alucinações visuais, táteis ou auditivas transitórias,
(10) convulsões tipo grande mal.

O objetivo do tratamento é prevenir a ocorrência de:  convulsões; Delirium tremens e morte por complicações -trauma cranioencefálico (TCE), aspiração de líquido para pulmões, acidentes…

Primeiros sintomas surgem de 24-36 horas após última dose, e são os seguintes:

  • Tremores – mais comum e hiperatividade autonômica (alteração de pressão arterial e frequência cardíaca, sudorese)
  • Náuseas e vômitos;
  • Insônia;
  • Agitação psicomotora.

Apenas medidas de manutenção geral dos sinais vitais são aplicadas nesses casos.

A SAA tem duração média de 7 a 10 dias. Crises convulsivas aparecem em 3% dos casos e sua mortalidade gira em torno de 1%. Veja a seguir a duração dos sintomas e sua gravidade:

Tratamento medicamentoso da SAA consiste em uso de benzodiazepínicos (tranquilizantes, calmantes) como diazepam, clordiazepóxido e lorazepam. São seguros e efetivos para prevenir e tratar convulsões e delírios, porém os benzodiazepínicos não devem ser utilizados enquanto o paciente estiver intoxicado por álcool pois podem deprimir ainda mais o nível de consciência do paciente.

Medicação antipsicótica como haloperidol, risperidona, quetiapina, dentre outros, pode ser utilizada para tratar agitação e alucinação. No entanto, pode aumentar o risco de convulsões, por isso só deve ser utilizada após a administração de benzodiazepínicos, que são anticonvulsivantes.

A tiamina (vitamina B1) sempre deve ser suplementada para a prevenção da Síndrome de Wernicke-Korsakoff.

Tratamento medicamentoso da dependência de álcool

Para o tratamento de dependência de álcool, contamos com algumas opções farmacológicas que reduzem a fissura pela substância e ajudam o paciente a tolerar o desconforto de permanecer em abstinência sustentada. O  dissulfiram – anti-etanol – não está disponível no Brasil atualmente, mas foi pioneiro no tratamento medicamentoso da dependência de álcool, sendo administrado muitas vezes sem o consentimento do paciente por algum familiar, conduta proscrita atualmente por questão tanto ética quanto de risco aos efeitos tóxicos quando o indivíduo fazia uso de álcool somado ao uso de dissulfiram.

Outras medicações disponíveis atualmente são:

  • Naltrexona – liberação de endorfinas e bloqueio de dopamina – reduz o prazer obtido com álcool;
  • Acamprosato – reduz atividade glutamatérgica e aumenta atividade GABAérgica – reduz desconforto da abstinência;
  • Topiramato – antagonista do receptor AMPA do glutamato, reduz a propriedade de reforço positivo do etanol. Uso fora de bula.

Tratamento medicamentoso da dependência de nicotina

Como opções terapêuticas para o tratamento da dependência de nicotina podemos listar:

  • A reposição de nicotina: goma de mascar ou adesivo de nicotina (patch), método seguro e econômico – disponível no SUS – alivia os sintomas de abstinência e diminui a chance de recaída;
  • Bupropriona: É um antidepressivo que se mostrou eficaz em aumentar o tempo de abstinência e reduzir o aumento de peso comumente observado com a cessação do uso de nicotina, também disponível pelo SUS;
  • Vareniclina: Atua no cérebro em seus receptores nicotínicos, e pode ajudar o indivíduo a parar de fumar, aliviando os sintomas de abstinência como também bloqueando os efeitos da nicotina. Em falta no Brasil atualmente.

Tratamento medicamentoso da dependência de opioides

Os opioides apresentam um grande potencial de abuso e dependência, tanto os lícitos (morfina, meperidina, codeína) quanto os ilícitos (heroína).

O tratamento medicamentoso de sua dependência consiste em substituir o uso de opioides de meia-vida curta (substâncias que rapidamente são eliminadas da corrente sanguínea e fazem o indivíduo buscar o uso repetido dela) por opioides de meia-vida longa, como a metadona e a buprenorfina, a fim de aliviar os sintomas de abstinência e planejar redução de dose gradualmente até suspensão total de seu uso.

Tratamento medicamentoso da dependência de benzodiazepínicos

Os benzodiazepínicos (BZD) estão entre as drogas mais frequentemente prescritas no mundo e possuem propriedades sedativas, ansiolíticas, hipnóticas, amnésicas, antiepiléticas e de relaxamento muscular.

O tratamento consiste na redução gradual da dose utilizada, para atenuar os sintomas de abstinência da medicação, até sua total retirada (10-15% da dose por semana). Troca do(s) benzodiazepínico(s) que vêm sendo utilizado(s) por apenas um que possua tempo de meia-vida mais longo (ex: diazepam), na mesma dose de equivalência também é uma estratégia recomendada e eficaz.

Tratamento medicamentoso da dependência de cocaína e crack

O tratamento visa a diminuição dos sintomas de fissura, de agitação psicomotora, delírios ou alucinações e alterações de humor. Desta forma, podemos indicar o uso de antipsicóticos , benzodiazepínicos e topiramato.

Estimulantes: possibilidade de se fazer terapia de substituição da cocaína com outros estimulantes dopaminérgicos menos potentes e mais seguros como Lisdexanfetamina, metilfenidato, modafinila, bupropiona- principalmente se comorbidade com TDAH.

Tratamento medicamentoso da dependência de maconha

Os sintomas de fissura são a principal queixa na abstinência, além de irritabilidade e nervosismo, sintomas depressivos, inquietação, insônia, redução do apetite e cefaleia.

Muito importante pesquisar comorbidades psiquiátricas e medicar corretamente: insônia, transtornos de ansiedade, transtorno bipolar e depressão.

Estudos iniciais com canabinoides específicos – área experimental sem consenso na comunidade científica.

REFERÊNCIAS

  1. WELLS, R. H. C. et al. CID-10: classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saude. . São Paulo: EDUSP, 2011. Acesso em: 30 maio 2023.
  2. Zaleski, M., Laranjeira, R. R., Marques, A. C. P. R., Ratto, L., Romano, M., Alves, H. N. P., … & Lemos, T. (2006). Diretrizes da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (ABEAD) para o diagnóstico e tratamento de comorbidades psiquiátricas e dependência de álcool e outras substâncias. Brazilian Journal of Psychiatry28, 142-148.
  3. Cunha-Oliveira, Teresa, Ana Cristina Rego, and Catarina R. Oliveira. “Cellular and molecular mechanisms involved in the neurotoxicity of opioid and psychostimulant drugs.” Brain research reviews 58.1 (2008): 192-208.
  4. Emergências e interconsultas psiquiátricas em hospital geral/ Organização de Sandra Odebrecht Vargas Nunes; Heber Odebrecht Vargas; Luciana Vargas Alves Nunes; Juliana Brum Moraes; Marcos Liboni.—1ª ed. – Londrina: EDUEL, 2012.—306 p.
  5. Bacellar A, Longo AL, Massaro AR, Moro CHC, André C, Nóvak EM, Dias-Tosta E, Yamamoto FI, Damiani IT, Maciel Jr JA, Fernandes JG, Vega MG, Fukujima MM, Lanna MA, Oliveira R. (2002). Abuso e dependência do álcool. Associação Brasileira de Psiquiatria. 2002.
    1. Aconselhamento em dependência química / Neliana Buzi Figlie, Selma Bordin, Ronaldo Laranjeira. – 3. ed. ­ São Paulo: Roca, 2015. 554 p.